Cidade de Goiás

depois do dia quente
e do mormaço
o frescor da chuva alimentou o cerrado 
povoou quintais e jardins
com alegria e umidade
a multidão de sapos
e pequenos seres imaginários

depois da chuva, a cidade se acendeu 
com seus postes
com sua lua sobre os telhados
e suas pedras brilhando molhadas

a Vila Boa é boa e bela
com seu céu pontilhado de estrelas
e o murmúrio ancestral do rio Vermelho
a atravessá-la
sob as pontes de madeira

a noite perfumada de terra e jasmineiros
e o relógio da torre do Rosário 
penetram meu sonho

abro um livro de Cora, e Aninha me diz:
"Eu me procuro no passado"

"Tudo aquietou e a noite continuou seu giro no espaço 
e no tempo"

"O silêncio se fez"

antessala

posso falar de coisa mecânica 
como um relógio na parede
ou de uma rosa mesmo rosa
prateada sobre a cômoda
posso falar do reupouso e das horas
que passam sem se perceber
posso calar o relógio
e ser apenas a rosa metálica
mímesis silenciosa 
pesada e inflexível 
de rosa jamais vista
coisa apenas imaginada
forjada em ciosa metalurgia

Pynthura

.........................pro Gelcio Fortes

no seu jardim
os portões estão abertos
os tapetes de grama
com pequenas margaridas
estendem-se aos pés
como aos olhos
e crisântemos;
nos quintais da velha cidade
nos campos antiquíssimos
............ nos cumes dos morros
sob as opas processionais
tudo é beleza e cor
tudo é perfume e encanto.

Minério

Há os que matam pelo minério convencidos
de que o fazem pelo bem de si mesmos  Minas Gerais.

amar é sair de casa
é querer o mundo
como morada de si

Simples II

as águas forçando seu leito, turvas
o girassol, sendo demais vermelho,
queima

tudo mais é desejo
e fuga

Viver

Viver é colecionar vexames.
O pescoço não gira 180 graus
pois é terrível olhar para trás
– para a montanha de resíduos 
e vergonhas 
duráveis mais que uma vida.
A última moda, a fome, 
os sistemas de pensamento,
contar os anos, casar,
mandar currículos.

Nascer é o primeiro passo.
Morrer nada é.